Carta aberta ao Yahoo! Esportes pelo uso do termo “cavalo paraguaio”
São Paulo, 26 de junho de 2017
Prezado Senhor Rodrigo Herrero e editorxs do sitio eletrônico Yahoo!, seção “Esportes”,
Recentemente, tivemos conhecimento acerca de sua publicação intitulada “10 maiores cavalos paraguaios do Brasileirão por pontos corridos”, datada de 19 de junho deste ano, pelo que vimos, por meio da presente carta, expressar nosso repúdio à utilização de referência à nossa nação em alusão ao que fracassa ou se demonstra, pela práxis, falso.
Em todo o Brasil, centenas de milhares de paraguaios e descendentes lutam diariamente por suas vidas e contribuem, digna e respeitosamente, com o progresso deste país. Como migrantes, essas pessoas comumente são expostas a adversidades adicionais àquelas com as que os brasileiros se deparam, nas que se incluem o acesso restrito ao mercado de trabalho ou sua realização em posições subvalorizadas e mais mal remuneradas; dificuldades no desfrute de oportunidades no sistema de educação e em fazer-se compreendido em situações elementares como consultas médicas devido ao idioma que dominam; e desafios na adaptação a uma nova cultura. Alguns grupos de imigrantes, em especial, são frequentemente aturdidos por manifestações veladas ou, até mesmo, explícitas de discriminação e xenofobia, sendo, geralmente, provenientes de países em desenvolvimento. Nesse sentido, é mister reconhecer que a utilização de termos e expressões pejorativas e ofensivas em referência a um povo, ainda que, a princípio, pareça inócuo ou insignificante, alimenta falsos juízos e estigmas cujas consequências mais severas recaem, ao final, sobre as pessoas da referida nacionalidade.
No caso do Paraguai, cabe explicitar que a ocorrência de práticas ilícitas – como a de falsificação de produtos – não é uma exclusividade deste país e, assim como alhures, não condiz com o engajamento profissional da maioria da população, de modo que isso não deve condenar toda uma nação de mais de 6,5 milhões de pessoas ao fardo de sustentar uma imagem de ilegalidade, transviamento e inconfiabilidade. Quando se faz uso de expressões como “cavalo paraguaio”, alimenta-se uma imagem não só nada representativa do povo paraguaio, mas, também, injustamente condenatória, o que, em termos práticos, legitima a exposição de seus imigrantes e descendentes a situações de discriminação e prejudica, consequentemente, seu acesso a determinadas oportunidades de trabalho e seu convívio social – entre outros efeitos –, o que pode ser constatado por qualquer um com o mais raso contato com tais pessoas. Não raramente chegam a nós relatos de paraguaios que, sem entender o porquê e sentindo-se constrangidos ou humilhados, são alvos do que muitas pessoas consideram apenas “piadas” ou “brincadeiras” sobre uma origem nacional, mas que, na vida de quem as recebe, se traduzem como subjugação e depreciação e geram empecilhos à integração desses imigrantes à sociedade local.
Há de se acrescentar também que tal linguagem pode resultar desrespeitosa e constrangedora aos próprios atletas paraguaios que atuam no futebol brasileiro, muitos dos quais de notável destaque e reconhecida importância para o desempenho de seus respectivos clubes tanto na atualidade – como Óscar Romero e Fabián Balbuena, jogadores do Corinthians; Lucas Barrios, do Grêmio; Roberto Fernández, do Botafogo; Julio dos Santos, do Vasco da Gama; e Braian Samudio, do Guarani – como no passado – caso de Francisco Arce, Carlos Gamarra, Diego Gavilán e tantos outros.
Jornalistas e demais profissionais da mídia, como provedores de informação e formadores de opinião, têm especial responsabilidade sobre a veiculação de preconceitos e a geração de estigmas através de ofensas e mentiras. Por esse motivo, clamamos que xs senhorxs revejam sua postura não só com relação à citada publicação – eliminando, como desejamos enfatizar, a referência pejorativa ao povo paraguaio –, mas a todas as demais de seu sítio eletrônico, de modo a não reproduzir preconceitos e estigmas que, em última instância, prejudicam a vida de milhares de pessoas que trabalham honrada e dignamente neste país, contribuindo com seu progresso.
Recordamos o que se registra no Artigo 6º, Inciso XIV do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que orienta seus profissionais diante de uma situação similar à que descrevemos na presente carta a “combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza”. Cabe enfatizar, finalmente, que é passível de sanção pela legislação brasileira a discriminação ou preconceito – assim como sua indução ou incitação – por motivos de procedência nacional; a difamação (ou seja, levar ao conhecimento de outras pessoas fato ofensivo à reputação de alguém) e a injúria (em outras palavras, insultar, ofender a dignidade ou a honra de alguém sem apontar especificamente as circunstâncias pejorativas), conforme, respectivamente, os Artigos 1º e 20º da Lei Federal 7.716/89 e os Artigos 139ª e 140ª do Código Penal Brasileiro.
Respeitosamente,
Núcleo Cultural Guarani Paraguai Teete